na boca
palavras soltas
selvagens
pra te cavalgar o coração
suave
cavalo marinho
a caminho d’alma
Nil Kremer
*imagem: Alexandra Khitrova
e o silêncio estende-se pela casa. há muito que não te escrevo. dizer-te que existes ainda nos corredores, nos espelhos.
começo a esquecer-me da tua voz. oiço-te dentro de mim mas não consigo reproduzir a tua voz.
é tão difícil guardar a memória de uma voz
Al Berto
©️ Magdalena Benny
Ao longo dos anos,
nem percebi que fui criando um léxico especial
com as palavras que usei para te nomear,
senhora minha.
.
Foram retiradas de um certo riacho
mágico
onde o verbo meu e o verbo teu
brincavam como peixinhos-crianças,
nossas palavras,
reverberando em pedregulhos
a semântica única
dos murmúrios dos amantes
.
Ah, aprendemos bem a lição de Kundera!…
.
Nomeei-te um dia
mar,
pois como um rio
correm minhas águas
para ti,
num fluxo natural
.
nomeei-te
nuvem
e a mim mesmo
pássaro alado,
em voo livre
atrás de teus infinitos todos
.
nomeei-te
lar,
porque teus olhos sobre mim
se tornaram a minha casa
.
nomeei-te
minha hóspede atemporal,
porque
podes vir a mim
sempre, sempre que quiseres,
.
e por fim,
nomeei-te
amor!
.
e foi tão simples,
tão absolutamente simples
chamar-te assim,
“amor”,
.
que prescindi
de qualquer outra explicação
ou entendimento.
.
Eduardo Ramos
*imagem: Kylie Sparrek
Voo da claridade ao
Subsolo
Voo da luz abissal ao
Breu da noite
Dentro
O serviço meteorológico informa:
Precipitações
Com treino
Com muito treino
Podemos ouvir
Acima das nuvens
Ou no fundo do rio
As chuvas miúdas.
choro por quem merece
rio da maioria e oceano por ti
tão desértico tão maríntimo
Mas a voz…
A voz conseguia decifrar em tempo, instância e conjugações verbais todas.
Sabia de cor o dialeto dela. A linguagem do mar. De amar.
As gírias que causava arrepio na alma quando ela falava.
Mas ela não sabia
nem atrevia a dizer.
Era como se precaver da loucura que antecipava nos dias.
Mas a voz, conhecia os rumos,
os assuntos repetidos em um ciclo impulsivo de querer ver.
A pausa que fazia entre um assunto e outro.
Até mesmo o silêncio e o que ele queria dizer.
Conhecia os mapas que as palavras dela levava.
A canção repetida pela maresia e o desejo atento no falar.
Conhecia tão pouco o olhar dela…
coisa de quinze dias navegou no mar cinza denso…
Depois era só palavra e voz…
da voz conhecia tudo.
Os acentos, o acordo ortográfico que não morava ali.
E era ali, na voz dela que mergulhava na vontade absurda de viver.
Mariana Gouveia